'Arbitrariedades sem sentido', dizem ONGs
Ao g1, os representantes de ONGs que atuam com pessoas em situação de rua apontaram que exigir listas, documentos e autorizações são "arbitrariedades sem sentido ou base que, com certeza, afastarão voluntários e inibirão o trabalho humanitário realizado hoje pelas ONGs na cidade".
"A proposta encabeçada pelo vereador Rubinho Nunes [União] novamente mostra um profundo desconhecimento dele em relação à realidade da população vulnerável na cidade. Centenas de entidades fazem o trabalho que a prefeitura deveria fazer, mantendo essas pessoas vivas, alimentadas e protegidas do frio. São grupos de voluntários. Muitas dessas ONGs são formalizadas, mas muitas não são, justamente por se tratar de projetos formados por cidadãos que resolveram fazer o que o Estado falha em fazer", destacaram Thiago Branco, fundador da ONG Mãos na Massa, e Christian Francis Braga, fundador do Instituto GAS. "Como ficam ações emergenciais no frio, por exemplo, se precisarmos de autorizações das Subprefeituras? As multas de R$ 17 mil para entidades que não possuem fins lucrativos são um disparate à humanidade e ao bom senso, comprovando que o parlamentar só tem o objetivo de impedir o socorro humanitário a pessoas que ele, como representante do povo, deveria ter se importado em todo o seu mandato", completaram. Pai Denisson D’Angiles, fundador do Instituto CEU Estrela Guia, disse estar estarrecido com o projeto de lei. "Quando alguém com o poder de legislar sobrepõe as suas vontades próprias em vez de coibir a fome, nos preocupa muito. A fome está latente no coração da cidade. Uma pessoa com um pouquinho de discernimento, com um pouquinho de razão, jamais cercearia este bem-estar, cercearia a vida de uma pessoa". "Por que, em vez de se coibir ações voluntárias, extremamente amorosas, bondosas, válidas e amparadas pela Constituição, não se propõe ajudar essas instituições cedendo espaço, mecanismos para que elas funcionem?", questionou. "São distribuídas cerca de 400 a 600 refeições por dia, tudo isso de maneira gratuita", completou Denisson. A Ação da Cidadania, uma das maiores ONGs de combate à fome no país, também criticou o projeto: "O político que toma a decisão de restringir o trabalho de organizações sérias e comprometidas em levar comida e solidariedade a população em situação de vulnerabilidade social está seriamente comprometido em extinguir a existência das 10,6 milhões de pessoas que vivem no estado de São Paulo e hoje não conseguem fazer todas as refeições como deveriam". "É triste observar que representantes políticos da maior metrópole do país estabeleça critérios para que a sociedade civil cumpra com um trabalho que deveria ser uma atribuição do poder público, sob consequência de pagamento de multa de até R$ 17 mil, além de tantas outras barreiras burocráticas com o claro objetivo de desencorajar a atuação de organizações não-governamentais e entidades que distribuem refeições diárias para quem não tem o que comer", destacou a entidade. Em nota, Rubinho Nunes (União), autor do projeto, afirmou que "o objetivo do projeto é garantir protocolos de segurança alimentar na distribuição, prestigiando a higiene e acolhimento das pessoas vulneráveis durante a alimentação". Disse também que "alguns veículos deram uma interpretação errada e desvirtuada sobre o projeto". "O projeto também otimiza a assistência, pois evita desperdício e a venda de marmitas para compra de drogas devido a distribuição concentrada, o que prejudica a ajuda a pessoas em regiões mais afastadas da cidade", completou.
Oposição quer barrar projeto A vereadora Luna Zarattini (PT) disse ao g1 que irá "buscar meios deste retrocesso não acontecer na nossa cidade". " Em vez do Projeto incentivar as ONGs no combate à fome e à miséria na nossa cidade, estimula multas e penalidades através de muitos requisitos meramente burocráticos. O vereador em questão tem histórico de perseguir aqueles e aquelas que tem se indignado com o crescimento da população em situação de rua que chega a 52 mil pessoas. É um absurdo que neste cenário de abandono a grande preocupação seja com as ONGs e não com a fome", pontuou a parlamentar. A covereadora Silvia Ferraro, do mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL, disse que pretende obstruir a pauta da Câmara Municipal, caso o projeto siga para segunda votação. "Este projeto tem o objetivo de impedir a distribuição de alimentos para a população em situação de rua na cidade de São Paulo. Coloca vários obstáculos irreais e várias burocracias para, na prática, acabar com a distribuição de comida para uma população extremamente vulnerável e famélica". “O vereador autor do projeto quer matar de fome a população em situação de rua, burocratizando e impedindo na prática, a distribuição de alimentos para uma população extremamente vulnerável!”, completou.
O que diz a Prefeitura de SP. Em nota, a prefeitura informou:
"A Prefeitura de São Paulo informa que o Projeto de Lei segue em discussão na Câmara Municipal de São Paulo e será analisado pelo prefeito caso seja aprovado em segunda votação. Atualmente, não existe obrigação de TPU (Termo de Permissão de Uso) para entrega de alimentação às pessoas em situação de rua. A gestão municipal mantém dois programas de Segurança Alimentar que entregam refeições para população vulnerável em todas as regiões da cidade.
No Centro, o programa Rede Cozinha Escola fornece, no mínimo, 400 refeições diárias de segunda a sábado por meio de cinco organizações sociais: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/rede_cozinha_escola/index.php?p=351251.
Pelo Programa Rede Cozinha Cidadã são distribuídas 2.400 refeições na região central de segunda a domingo: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/rede_cozinha_cidada/index.php?p=352740".